Se sou mineiro ? Bem, é conforme, dona. Tudo é conforme. Basta nascer em Minas para ser mineiro ? Que diabo é ser mineiro, afinal ? Em suma: ser mineiro é esperar pela cor da fumaça. É dormir no chão para não cair da cama. É plantar verde para colher maduro. É não meter a mão em cumbuca. Não dar passo maior que as pernas. Não amarrar cachorro com linguiça.
Porque mineiro não prega prego sem estopa. Mineiro não dá ponto sem nó. Mineiro não perde trem. Evém mineiro. Ele não olha: espia. Não presta atenção: vigia só. Não combina: conspira. Não se vinga: espera. No mais, é confiar desconfiando. Dois é bom, três é comício. Devagar que eu tenho pressa.

Mas todos os princípios se desmoronam diante de um lombo de porco com rodelas de limão, tutu de feijão com torresmos, linguiça frita com farofa. De sobremesa, goiabada cascão com queijo. Depois, cafezinho com requeijão. Aceita um pão de queijo ? "biscoito polvilho" ? brevidade ? ou quem sabe uma broinha de fubá ?
Falar de Minas, trem danado, sô. É falar num mundo misterioso, no mundo irônico, esquivo ou pitoresco de Cyro dos Anjos, Oswaldo Alves, Mário Palmério, seus romancistas. E num mundo de gente, seus personagens, que vão de Antônio Carlos a Milton Campos, de Bernardes a Julcelino - basta um muro ! ah, se eu me chamasse Raimundo. Dentro de mim uma corrente de nomes e evocações antigas, fluindo como o Rio das Velhas no seu leito de pedras, entre cidades imemoriais. Leopoldina, doce de manga, terra de meus pais... Prefiro estancá-las no tempo, a exaurir-me em impressões arrancadas aos pedaços, e que aos poucos descobririam o que resta de precioso em mim - o mistério da minha terra desafiando-me como a esfinge com o seu enigma: decifra-me ou devoro-te.
Prefiro ser devorado.
Fernando Sabino (com adaptações)